quarta-feira, janeiro 18, 2006

Loucos e Santos

Às vezes eu acho que espero um pouco demais das pessoas. E que muitas vezes elas esperam de mim bem menos do que sou capaz. Odeio que me subestimem; aliás, não conheço alguém que goste. No meu outro trabalho ninguém me subestimava, aliás, o contrário, o que era extremamente motivante. Lógico que tudo tem um limite e não adianta, também, esperar de mim mais do que eu sou capaz de alcançar – passa de desafiante pra frustrante. Mas eu sou do tipo que costuma avisar quando acha que certo objetivo ultrapassa meus limites. Não, não sou acomodada; realista e ponderada, talvez. Sei até onde consigo ir, e não é que me imponha limites; é que eu sei onde eles estão, exatamente.

Raramente eu conservo pré-conceitos. Normalmente, aquilo que eu penso da pessoa se baseia em tudo que eu vi nela e observei após algum tempo, de alguma maneira, e não na primeira impressão – embora eu raramente me engane quanto à índole de alguém: sempre reconheço de primeira, no olhar ou em pequenos gestos, alguém de caráter duvidoso. Considero essas características – não me prender às aparências iniciais e ter empatia – duas das minhas melhores qualidades, talvez as mais expressivas e que mais me ajudem na compreensão do mundo e das coisas. E quem me conhece um pouco sabe como eu sou observadora e como eu necessito tentar compreender as coisas antes de continuar.

Por exemplo, eu sempre quis andar com pessoas mais velhas. Às vezes eu me questionava se era porque eu queria parecer legal mas depois de muito pensar cheguei à conclusão que é porque normalmente as pessoas da minha idade não satisfazem totalmente aquilo que eu espero de uma amizade. Então eu fui crescendo e as pessoas da minha idade também, de forma que eu tinha certeza que poderia aos poucos me aproximar mais delas, pois com certeza elas teriam mais coisas a me acrescentar depois que houvessem amadurecido mais. Ingenuamente enganada, eu estava. Sendo direta ao ponto, eu sempre esperei que os tais adultos fossem todos maduros e experientes. Claro que eles errariam às vezes, mas isso seria fruto de um puro engano, e não de más-intenções ou de imaturidade. Ridículo pensar assim né? E ainda hoje eu me pego tendo reações que confirmam esse pensamento, como se eu ainda acreditasse nisso. No final das contas é como se eu achasse que nenhum adulto seria capaz de falar ou fazer coisas estúpidas. Quase como se eu sempre esperasse que todos eles tivessem uma experiência de vida tão mais extensa que a minha que teriam coisas incríveis pra me explicar, experiências enriquecedoras pra mostrarem etc.

Olhandoo em volta, agora, que sou quase uma adulta (ahn, não sei qual a definição, mas eu trabalho, tenho responsabilidades e algumas preocupações diferentes da maioria das pessoas de 17 anos), vejo que eles (os adultos) podem ser tão infantis quanto meu irmão. Às vezes bem mais. Ou podem ter amplitude emocional e mental de uma colher de chá. Esses dias, numa leitura particularmente interessante de algum texto relacionado à Harry Potter, confidenciei à minha mãe que eu acharia brilhante se o mundo mágico dos livros realmente existisse. Desdenhosa, ela disse “Ah! Cresce vai, Ana Paula!”. Como se fosse ironia, ontem, minha mãe brigou comigo de uma maneira particularmente e indubitalvelmente infantil. Não estou olhando só o meu lado e não vou contar detalhes porque eles são risíveis (meu irmão gargalhou diante dos pormenores, descrente); entretanto, tenho certeza que qualquer um de vocês concordaria que ela gritou comigo sem motivo e foi absolutamente infantil na argumentação – sem falar que a situação toda iniciou-se porque ela me tratou com grosseria gratuita.

Em resumo, se nem as mães e os pais são perfeitos, como eu costumava achar, os outros também não podem ser. Adultos ou não. “Oh, sério?”. Desculpe-me, mas você, como um bom leitor, deve ter notado a importância do raciocínio na compreensão que eu faço do mundo e das pessoas, independente da conclusão absolutamente óbvia.

Falando das relações (de todo tipo), de novo, e parafraseando química, me atraem as relações de dupla-troca. Quando a pessoa tem coisas a me oferecer. Porque eu sempre tenho, eu acho (eu tento ao menos), então vai ser uma troca justa. Egoísmo? Sim, eu já conheço o discurso “você deve dar aos amigos sem esperar nada em troca”, sem a malícia do duplo sentido, é claro. E não acho egoísmo, não. Cansei de me entregar de corpo e alma às relações sem receber nem metade daquilo em troca. Então você pensa “a culpa é sua se você se entrega demais; ninguém te obrigou”. E eu penso “é, talvez seja”. Mas eu já sou calejada e criei uma espécie de “amostra grátis”, um teste que me faz reconhecer o território antes de pisar com os dois pés nele. Quando conheço alguém eu dou um pouco, uma parte que não vai fazer doer, mas o suficiente pra eu receber em troca algo por aquilo – e se eu receber, ótimo, então sinal verde. É que eu sou assim: sou movida a experiências, sensações, troca de conhecimento. Eu preciso do feedback. A palavra relação pressupõe mais que um indivíduo, e pressupõe compartilhamento, e troca, e reação. Não é só um lado, precisa do outro pra fazer a coisa funcionar e se tornar interessante, profunda, worthy.

Após anos convivendo com as mesmas pessoas e considerando-nas amigas, pude perceber nas últimas semanas que elas não se importam tanto comigo assim e tampouco fazem meus olhos brilhar, de admiração, ou de satisfação, ou de felicidade. Nao há a troca de forma plena... Não totalmente, às vezes em uma situação ou outra, mas não da forma que deveria ser.

Descobri também, felizmente, que dentre esse grupo uma ou duas são capazes de despertar em mim as reações citadas anteriormente. Com eles eu consigo conversar sobre qualquer coisa (sério!), e consigo fazer qualquer piada e eles entendem e eles também podem fazer qualquer piada, e consego suspirar do nada e pensar que aqueles momentos tão pequenos e tão exclusivos é que faziam a vida valer a pena. E também tem as horas de dar risada das coisas mais estúpidas, e de balbuciar bobagens - coisas eu não conseguiria fazer ao lado dos tais adultos citados lá em cima. O mais extraordinário: como eu sou dependente da tal troca de coisas, me dou conta que só estou satisfeita com tudo aquilo porque percebo que pessoa também está satisfeita. Faz parte da coisa toda, fazer com que a outra pessoas também se sinta bem naquela situação.

Meus amigos, não os quero totalmente adultos, nem totalmente jovens. Adultos são chatos, jovens são inconsequentes... Mas o que há de errado com um pouco de chatice e de inconsequência de vez em quando? E aquele que concordar que não há nada de errado é realmente do tipo que eu procuro.

Tem um texto do Oscar Wilde que sucinta com perfeição todas as coisas que espero de um amigo. Pra fechar o post, aí vai ele:

Loucos e Santos
(Oscar Wilde)

Escolho meus amigos não pela pele ou outro
arquétipo qualquer, mas pela
pupila.
Tem que ter brilho questionador e
tonalidade inquietante.
A mim não
interessam os bons de espírito nem os maus
de hábitos.
Fico com
aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não
quero
resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e
angústias
e
agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só
sendo louco.
Quero os
santos, para que não duvidem das diferenças e
peçam perdão pelas
injustiças.
Escolho meus amigos pela alma
lavada
e pela cara exposta.
Não
quero só o
ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri
junto,
não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade
bobeira,
metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros
piedosos
.
Quero
amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas
lutam para
que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem
chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças,
para
que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos,
para que nunca
tenham
pressa
.
Tenho amigos para saber
quem eu sou.
Pois os vendo loucos e
santos, bobos e sérios,
crianças e velhos, nunca me esquecerei de que
"normalidade" é uma ilusão
imbecil e estéril.

Ana Paula Freitas at 10:51 AM


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quinta-feira, janeiro 12, 2006

Thats why we only work when we need the money!

Quanto estou entediada no trabalho, normalmente eu pego um papel e um lápis, abaixo a cabeça na minha mesa e começo a desenhar – sempre esperta, é claro, pra evitar que alguma cabeça indesejada me surpreenda por cima do ombro. Às vezes falha, é claro, e eu disfarço, finjo que estou rabiscando algo relacionado à minha função. De vez em quando eu fico olhando pela janela, daqui do alto dá pra ver uma boa porção da cidade, o horizonte meio turvo e envolvido por uma névoa acinzentada, que eu aprendi que se chama Ilha de Calor ou algo assim.

Se eu disser que não estou aprendendo nada estarei mentindo. Tirando aquela experiência aproveitável que toda situação nova inevitavelmente traz, têm algumas outras coisas relacionadas com a profissão que eu quero seguir. Alguns conceitos pequenos que eu estou assimilando melhor, por estar o tempo todo em contato com o produto final do jornalismo – a notícia.

Não consigo relaxar aqui, todavia. Todas essas restrições disciplinares só servem pra me colocar desconfortável e fazer com que eu me pergunte, a todo o momento, se não estou transpondo qualquer uma das n regras impostas pela empresa. Eu simplesmente não consigo estar à vontade; é como se algo seguisse me incomodando constantemente, não permitindo que eu me sinta como algo pertencente a esse lugar...

Também, a falta de desafios e a essência do meu trabalho (listar documentos e gerar relatórios ao fim do mês), colaboram para a desmotivação. Todo dia é a mesma coisa... E todo dia tem tanto ou mais trabalho quanto no anterior. Oh, don’t you come with that you’re-gonna-get-used rubbish. Não quero me acostumar, porque no meu caso, isso leva à conformação, e se conformar com isso não é certo. Só estou trabalhando porque preciso pagar a faculdade. O salário não é de todo ruim e o trabalho em sim não é difícil (como eu disse, não exige desafio); as circunstâncias é que levam ao aborrecimento.

Um auto-retrato escrito, nesse momento (10:16 da manhã de uma quinta feira nem tanto ensolarada): Sou uma menina de 17 anos que trabalha e quer cursar faculdade ainda esse ano – e isso depende de passar ou não no vestibular, cuja prova será realizada dia 21. Nas raras e merecidas horas livres durante a semana, costumo ler, ouvir música, traduzir alguns textos ou colorir desenhos no Photoshop – essas coisas me fazem feliz. Aos finais de semana, procuro rever alguns amigos e dormir, mas não consigo; a ansiedade exige que eu use o tempo do sono pra fazer outras coisas. Sinto falta dos tempos em que ficava fazendo nada em casa o dia inteiro e da época em que, quando não tinha nada pra fazer, era só descer alguns lances de escada e gritar alguns nomes pra dar umas risadas. Gosto de música e isso inclui CDs, shows, discos, encartes, fotos relacionadas e tudo o mais. Literatura de ficção, daquelas bem fantasiosas – tipo Harry Potter ou Lord of the Rings, que me cativam de forma que eu penso estar dentro da história. Ficção-política-não-tão-ficção-assim (à la Orwell) ou experimentos enteógenos inovadores (Huxley) também me atraem. Espero pela sexta-feira ansiosamente (a dessa semana é sexta-feira 13, que eu adoro) porque só nos finais-de-semana sou capaz de me guiar pra dentro da realidade alternativa criada pela minha mente – e que me dá forças pra continuar.

Na terceira gaveta ao lado do computador tenho um pandeiro que ganhei do Eddie Vedder no show do Pearl Jam em São Paulo, dia 03/12, e no mural em cima da cama tenho uma foto dos meus avós paternos, sorrindo. Gosto de coisas que estimulem visualmente, arte em geral: fotos, filmes, desenhos, essas coisas.

Pro futuro..? Passando na Cásper, continuo ralando aqui pra multiplicar dinheiro e pagar o curso de Jornalismo. Esse ano quero começar alguma outra língua, Francês ou Italiano. Antes de me formar, quero conseguir emprego num veículo impresso ou em rádio e ao final da faculdade, tentar uma vaga no curso oferecido pelo Estadão pra Jornalistas recém-formados. Aí, trabalho um ano (ou o suficiente) juntando grana pra poder viajar pra Europa – quero morar lá uns tempos.

Se eu não passar... Aí fica tudo quase igual, exceto que esse ano já começaria a guardar grana (talvez mudaria de emprego, pra um lugar mais perto e menos estressante; ano que vem, tento de novo a Cásper e se não der vou de Metô mesmo. De resto, as circunstâncias seriam semelhantes.

Mais pra frente? Uma pós em alguma coisa – que eu ainda vou decidir – lá na Europa, e depois um trampo num veículo impresso pra falar sobre música, aqui ou lá na gringa (seria foda). Depois, encontrar alguém que tenha algumas preocupações semelhantes e que, de forma geral, consiga compreender minhas sandices (o maravilhoso sotaque inglês não será exatamente essencial mas contará uns 8 pontos na média total).

Depois, viver confortavelmente em algum lugar perto das coisas, sendo paga
pra fazer algo que eu verdadeiramente amo. Não se esquecer de freqüentar um lugarzinho longe e bonito, cuja areia seja branca e a água seja clara, ao menos uma vez a cada dois meses. E depois, fazer visitas ocasionais à Amsterdam e a seus sensacionais cafés, se é que vocês me entendem.

A gente não pode fazer com que a vida siga os rumos que a gente quer... Mas ninguém pode me proibir de imaginar como as coisas poderiam ser. Vou imprimir esse texto e guardar, pra ler daqui uns 50 anos. Vai, no mínimo, provocar boas risadas.

Ana Paula Freitas at 10:15 PM


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