quinta-feira, novembro 10, 2005
O menino tinha 14 anos. A vida era difícil: O pai não ganhava o suficiente pra sustentar a mãe, o menino e seus quatro irmãos. Mas seguia-se com a vida, às vezes comendo mal, sem nenhum luxo - nem teria como.O problema é que, desde pequeno, ele sabia que não tinha nascido praquilo. Ele queria mais e ele via um horizonte mais amplo do que a família poderia lhe oferecer. O pais eram ignorantes, mas ele sabia que no fundo, só tentavam fazer o melhor. E, apesar da mãe até demonstrar certo carinho (não o suficiente, ele pensava, mas não conseguia admitir), o pai era frio. Mas o menino entendia. Ele pensava que esse era mesmo o jeito do pai.O menino resolveu, então, procurar um emprego. Poderia ajudar os pais em casa e guardar o que sobrasse até que desse pra comprar um aparelho de rádio: o menino era fascinado pelos encantos do rádio.Na busca pelo trabalho, bateu em todas as portas de uma rua num bairro de classe média da cidade onde morava. Uma das senhoras que o atendeu disse precisar que seu jardim fosse aparado semanalmente. Ele poderia começar dali a dois dias.O menino foi pra casa e resolveu não contar aos pais, ainda. Queria fazer uma surpresa. Imaginou, durante dois dias, toda a promessa de seu futuro - baseado no pequeno emprego de jardineiro que havia acabado de conseguir.No seu primeiro dia de trabalho, o menino fez o melhor que pôde. Aquilo representava a libertação dele para o mundo. Pela primeira vez ganharia dinheiro por um trabalho feito por ele.Chegou em casa e chamou pela mãe para contar-lhe a novidade. O pai, com a feição dura de sempre, quis saber também porque o menino demorara tanto pra voltar da escola."Pai! Mãe! Eu estive pensando, e bom, consegui um emprego. Estou cuidando do jardim de uma senhora lá no Alt.."E ele nem viu de onde veio o primeiro murro. Enquanto o pai batia, o menino ouvia-o gritar que não havia criado filho para trabalhar aos catorze e que era uma afronta da criança insinuar que o pai, sozinho, não podia dar conta da família. Desmaiou.Dois anos depois, ele ainda estudava e trabalhava. O pai o havia obrigado a trabalhar aos 15, o que ele aceitou sem titubear, embora não fosse mais sua vontade. Na realidade já nem lembrava a última vez que havia frequentado a aula: havia, na rua, opções mais atrativas. Continuava no emprego por medo do pai.Num dia comum de trabalho - exceto pelo fato de que, nesse dia, ele não havia matado aula - seu chefe pediu para que o menino o acompanhasse até a filial do escritório na cidade mais próxima. De bom grado, o menino resolveu aceitar.No meio da viagem (de cerca de 40 minutos), o chefe do menino disse que teria que parar na estrada: estava apertado. O chefe desceu do carro e o menino ficou, como sempre, com o olhar perdido no horizonte. Queria fumar e abriu o porta luvas em busca de fogo. E foi aí que encontrou o revólver 38. Observou-o por alguns segundos e pegou-o na mão.O menino acendeu o cigarro. Deu um trago profundo e a brasa brilhou forte. Jogou o cigarro pela janela, engatilhou a arma, colocou-a na boca e puxou o gatilho.Em casa, o irmão pelo qual o menino tinha mais afeição chegava da escola. Ao abrir a gaveta de meias, encontrou uma carta e um rádio à pilhas. A carta, um testamento improvisado do irmão mais velho; O rádio, a representação da única coisa importante que o menino possuía.
Da cozinha, a mãe pensou ter ouvidos alguém chorando no quarto. Mas convenceu-se ser só impressão.Texto baseado numa história real vivida por um primo distante.
Olhem em volta:
Pais,
mães,
irmãos e
meninos estão por toda a parte.
Ana Paula Freitas at
1:32 PM